No que consiste a prescrição intercorrente?


1 de agosto de 2023By Maria Schaefer Gois

A ocorrência de prescrição no direito creditório é pesadelo para uns, e enorme sorte para outros. O que pouco se fala, a nosso ver, é sobre uma de suas modalidades: a prescrição intercorrente.

 

Como garantia da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88[1]), a prescrição intercorrente surge como mecanismo para não eternizar ações de cobrança, o que também violaria a não perpetuidade da pena, garantia fundamental de todo cidadão brasileiro.

 

A prescrição intercorrente é caracterizada pela inércia do credor no impulsionamento do feito judicial. Melhor dizendo, pelo abandono processual.

 

Por exemplo: Maria acredita que João lhe deve R$ 1 milhão. Ajuíza medida judicial para tal cobrança. João não é encontrado sequer para a citação, vez que Maria não possuía seu endereço atualizado. Transcorridos 03 (três) anos sem qualquer movimentação processual por parte de Maria, para satisfazer seu crédito, está caracterizada a prescrição intercorrente, exigindo a extinção do processo, seja judicial, seja administrativo.

 

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sumulou seu entendimento em não reconhecer inclusive a existência desta modalidade de prescrição:

 

Súmula CARF nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.

 

Ocorre que também é do entendimento da mesma autarquia administrativa (CARF) que deve ocorrer a alteração dos entendimentos sumulados quando a jurisprudência majoritária dos Tribunais Pátrios se posicionar de forma diversa à dos Tribunais Administrativos. É o que prevê o artigo, 74, parágrafo 4º, do Regimento Interno do CARF:

 

Art. 74. O enunciado de súmula poderá ser revisto ou cancelado por proposta do Presidente do CARF, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do Secretário da Receita Federal do Brasil ou de Presidente de Confederação representativa de categoria econômica habilitada à indicação de conselheiros.

4º Se houver superveniência de decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, que contrarie súmula do CARF, esta súmula será revogada por ato do presidente do CARF, sem a necessidade de observância do rito de que tratam os §§ 1º a 3º. (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016)

 

E, neste cenário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) assertivamente, passaram a reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais.

 

O STJ, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux (2010), consignou que:

 

“(…) a duração razoável do processo foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental pela Emenda Constitucional 45/2004, que acresceu ao art. 5º, o inciso LXXVIII, in verbis: “a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade.”[2]

 

E, a partir deste entendimento, o TRF3, em sem-número de julgamentos, passou a consolidar o entendimento da existência e da vigência da prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais. Confira-se:

 

“(…) o processo administrativo fiscal ficou paralisado por período superior a três anos. Não há informação de qualquer ato de instrução capaz de obstar o curso do prazo prescricional. Verificada a prescrição intercorrente. Apelação provida.”[3]

 

Portanto, nos manifestamos favoráveis ao reconhecimento do instituto da prescrição intercorrente, tão importante para a manutenção das garantias constitucionais, dentre elas a que estabelece a duração razoável do processo, como cirurgicamente destacou Hugo de Brito Machado Segundo[4]:

 

“Se o Fisco abandona o processo por mais de cinco anos, já não se pode dizer que é o simples oferecimento de uma impugnação que o está impedindo de propor a execução fiscal: é o abandono do processo (…), sendo plenamente cabível falar-se sim, em prescrição intercorrente.”

 

[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392)

 

[2] STJ, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, EAREsp 200801992269, DJE 08/10/2010.

[3] TRF3 – ApCiv: 00146296520154036100 SP, Relator: JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, Data de Julgamento: 06/06/2019, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1, Data: 14/06/2019.

[4] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 191.