Legalização do aborto na França e pedidos da ONU: impactos no possível julgamento do STF
A recente decisão do Presidente francês, Emmanuel Macron, de incorporar o direito ao aborto na Constituição da França, promovendo sua “irreversibilidade”, estabeleceu um marco no cenário internacional.
Esta iniciativa surge em um contexto global no qual as conquistas dos direitos reprodutivos das mulheres estão sendo objeto de reexame, como evidenciado pela revogação da histórica decisão Roe v. Wade nos Estados Unidos, ocorrida há um ano.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal se encontra diante de uma decisão pendente sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Esta controvérsia é agravada pelas recentes recomendações do Comitê da ONU para Direitos Econômicos e Sociais, instando o país a descriminalizar o aborto e a rejeitar o polêmico marco temporal na demarcação de terras indígenas.
O comitê recomendou que o Brasil revise a legislação que proíbe o aborto, visando torná-la “compatível com a integridade e a saúde das mulheres“. Também foi sugerido que o país assegure o acesso ao procedimento de forma segura na rede pública de saúde.
A legislação brasileira mencionada pela ONU remonta a 1940, e estipula que o aborto induzido pela gestante é considerado crime, com penas de 1 a 3 anos de detenção. Quando realizado por terceiros, a punição pode chegar a 10 anos de reclusão.
Além disso, há a legalidade do aborto em casos específicos, tais como: estupro; risco à vida da gestante e anencefalia fetal. Contudo, as perspectivas públicas sobre o aborto são vastamente divergentes, evidenciando a complexidade dessa questão.
A decisão de Macron e as diretrizes da ONU apresentam-se como fatores influentes, introduzindo uma dimensão internacional ao debate nacional. A proximidade política entre Macron e o Presidente Lula adiciona uma camada de complexidade a essa dinâmica, potencialmente afetando as deliberações no Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, o STF, ao confrontar a possível descriminalização, enfrenta o desafio de conciliar as demandas dos direitos das mulheres com a diversidade de opiniões na sociedade e no Congresso Nacional.
O voto da ex-Ministra Rosa Weber, no momento em que era Relatora do caso, foi a favor da descriminalização do aborto até as 12 primeiras semanas de gestação, durante a sessão virtual da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442.
Em sua extensa fundamentação, a Ministra argumentou que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que penalizam a prática do aborto, não estão em conformidade com a Constituição Federal, sendo a mesma argumentação utilizada pela ONU.
A então Ministra enfatizou a desproporcionalidade das penas atribuídas à gestante e às pessoas envolvidas no procedimento, e salientou a importância de respeitar os direitos reprodutivos das mulheres, considerando o aborto como uma questão de direitos humanos e saúde pública.
Weber também abordou a complexidade do debate sobre o início da vida, destacando que não há consenso científico, filosófico ou religioso sobre esse ponto. Ela argumentou que o direito à vida desde a concepção não pode ser usado como fundamento para proibir totalmente a interrupção da gestação.
Por fim, ressaltou que a criminalização do aborto não atingiu seus objetivos, e que é necessário garantir a autonomia das mulheres na tomada de decisões sobre sua saúde reprodutiva.
Fato é que a criminalização progressiva das mulheres vem cedendo, no contexto nacional e internacional, lugar a uma compreensão mais ampla e humanitária da questão.
O arcabouço legal em vigor, delineado por decisões como a concessão de liminares para interrupção de gestações inviáveis e a análise da constitucionalidade de leis restritivas, destacam a progressiva compreensão da necessidade de respeitar os direitos fundamentais das mulheres.
No entanto, a despeito dessas exceções, a realidade enfrentada pelas mulheres brasileiras é marcada por obstáculos burocráticos e negligência por parte das autoridades de saúde, resultando em altas taxas de mortalidade materna.
É necessário olhar para além das leis e regulamentações, compreendendo a complexidade da experiência das mulheres e garantindo políticas públicas que resguardem seus direitos em um contexto de justiça social reprodutiva.
À medida que o STF continua a deliberar sobre a descriminalização do aborto nas primeiras doze semanas de gestação, é crucial reconhecer que esta não é apenas uma luta por um direito legal, mas sim uma batalha pela vida das mulheres.