Agência de marketing digital é condenada a ressarcir empresários por cláusula abusiva


23 de novembro de 2023By João Pedro Gois

Em uma decisão marcada pela inovação, a 4ª Juizado Especial Cível de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) proferiu sentença condenatória contra uma agência de marketing digital, determinando o ressarcimento de expressivos R$18,8 mil a uma dupla de empresários.

 

A juíza Morgana Lunardelli fundamentou sua decisão na meticulosa análise de um contrato de franquia, destacando a cláusula que impunha a perda total da quantia cobrada no contrato preliminar.

 

Os empresários Giuseppe Bandeira Barreto e Marcos Serralvo Capozzi alegaram terem sido induzidos a erro durante as negociações que culminaram na assinatura do contrato de franquia. Conforme alegaram, os acordos preliminares de treinamento assinados em julho de 2021, com base na Circular de Oferta da Franquia (COF) fornecida pela agência, não refletiram adequadamente as nuances do negócio.

 

A controvérsia surgiu quando, ao término do treinamento, os empresários perceberam que a reprovação resultaria na não efetivação do contrato, com a retenção integral dos valores investidos. Em busca de equidade contratual, a dupla pleiteou a nulidade do contrato e a condenação da agência ao pagamento de perdas e danos.

 

A empresa, por sua vez, argumentou a validade da relação contratual, sustentando que os empresários tinham pleno conhecimento das informações fornecidas na COF.

 

A magistrada, embora tenha afastado a nulidade do contrato, ressaltou que a cláusula em questão violava os princípios fundamentais do equilíbrio contratual e da proporcionalidade:

 

“Tratando-se de contrato preliminar de franquia empresarial, vigora, da mesma forma, os princípios do equilíbrio contratual e da proporcionalidade”

 

A juíza determinou a redução da cláusula penal de 100% para 50%, estabelecendo o valor a ser restituído em R$18.833,33 (dezoito mil oitocentos e trinta e três reais e trinta e três centavos) com correção pelo IGP-M e juros simples.

 

O contrato de franquia, notável modalidade de transferência de tecnologia, tem se destacado como um modelo eficaz de comercialização global de produtos e serviços. Esse arranjo, baseado na cooperação entre empresas, proporciona a produção e comercialização direta de produtos associados a marcas consolidadas.

 

Sob a ótica jurídica, a franquia se revela como um conjunto de contratos, destacando-se um como principal e os demais como acessórios ou dependentes.

 

Amplamente utilizado no setor comercial, o contrato de franquia busca proporcionar ao consumidor um acesso mais direto e eficiente aos produtos ou serviços oferecidos.

 

Esse enquadramento destaca o contrato de franquia como um instrumento de transferência de tecnologia, com o franqueador cedendo não apenas o direito de uso de marca ou patente, mas também a tecnologia de implantação e administração do sistema operacional.

 

Dessa forma, além do Direito Contratual, a franquia se insere no âmbito do Direito da Propriedade Industrial ou, de forma mais abrangente, do Direito da Propriedade Intelectual.

 

O equilíbrio essencial entre franqueador e franqueado é fundamentado em direitos e obrigações claramente definidos. O franqueador, detentor da tecnologia, recebe remuneração através de royalties e taxas iniciais acordadas. Além disso, tem o direito de supervisionar o cumprimento dos objetivos contratuais pelo franqueado, escolher novos franqueados e garantir a qualidade na expansão da marca.

 

Suas obrigações incluem:

 

  • Fornecer treinamento completo, disponibilizar tecnologia e realizar atividades de promoção, pesquisa de mercado e assistência ao franqueado.

 

Por sua vez, o franqueado, beneficiário dos direitos concedidos, tem o direito de utilizar a tecnologia do franqueador, comercializar produtos da franqueadora e desfrutar de exclusividade em sua área. Além disso, tem garantido o suprimento regular de insumos.

 

Suas obrigações abrangem:

 

  • O pagamento de remunerações previstas, aquisição exclusiva de insumos do franqueador, e a manutenção dos padrões de qualidade e operação estabelecidos.

 

A gestão eficaz desse equilíbrio é vital, sendo a decisão proferida pela magistrada um reflexo desse entendimento. A juíza entendeu não haver condições de nulidade, mas sim de desequilíbrio contratual. Em uma relação “mutualística,” não pode uma das partes receber uma maior onerosidade que afete e interfira nos dois lados da balança, esse tipo de relação quebraria o equilíbrio visado pelo contrato de franquia, criando uma relação de “comensalismo” entre o Franqueador e o Franqueado

 

Por fim, conclui-se que a decisão judicial referida ressalta a importância da equidade e proporcionalidade nos contratos de franquia, evidenciando a necessidade de proteger os interesses dos franqueados diante de cláusulas que possam resultar em prejuízos desmedidos.

 

A sentença reforçou a responsabilidade das partes envolvidas em manter relações contratuais justas e equitativas, contribuindo para um ambiente empresarial mais transparente e ético.

 

O mundo empresarial, apesar de muitas vezes ser caracterizado como um ambiente implacável, onde “os fracos não têm vez“, é, na verdade, uma arena regida por leis, princípios e fundamentos. A transgressão destes não resulta em nada além do direito ao ressarcimento, conforme inequivocamente proclamado pela digníssima magistrada.

 

A legalidade e a ética não se configuram como simples formalidades, mas constituem pilares fundamentais tanto no âmbito empresarial quanto no jurídico.