Supremo Tribunal Federal decide o papel dos veículos de informação na publicação de entrevistas


28 de novembro de 2023By João Pedro Gois

Na iminência de um veredito que reverberará nos anais da jurisprudência brasileira, com o tema sendo retomado e a decisão marcada sessão plenária datada para amanhã (29/11), o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruça sobre a delicada balança que equilibra a liberdade de informação e expressão com a responsabilidade dos veículos de comunicação. 

 

Este pleito, desencadeado pelo caso que resultou na condenação do Diário de Pernambuco, em que admitiram a possibilidade de responsabilizar civilmente jornais por injúria, difamação ou calúnia proferida por entrevistados, questiona até que ponto um veículo deve ser considerado corresponsável ao publicar declarações de terceiros, mesmo sem endossá-las.

 

Anteriormente, o processo, instigado pelo ex-Deputado Federal Ricardo Zarattini Filho, figura que enfrentou a ditadura militar, levantou questionamentos cruciais sobre a natureza da responsabilidade dos veículos de comunicação diante de declarações injuriosas. Zarattini, acusado em uma entrevista concedida ao Diário de Pernambuco, de envolvimento em um atentado a bomba durante a ditadura militar, buscou reparação por danos morais.

 

No epicentro do debate, a Suprema Corte enfrenta a árdua tarefa de definir os limites da liberdade de expressão e informação, salvaguardando o direito à honra e à vida privada.

 

Durante a análise do tema na primeira plenária de julgamento, entre as propostas minuciosamente examinadas, duas se destacam como inadequadas para a robustez do direito e do jornalismo:

 

  • Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa. (Marco Aurélio);
  • A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. (Alexandre de Moraes).

 

A primeira proposta, desconsiderando qualquer responsabilidade do veículo, parece ignorar a incompatibilidade entre o bom jornalismo e a divulgação deliberada de imputações falsas. O repúdio a atitudes que desconsiderem a veracidade dos fatos precisa de uma postura menos leniente.

 

A segunda, por outro lado, impõe responsabilidade indiscriminada ao veículo sempre que declarações se revelarem caluniosas, mesmo se adotados cuidados na apuração. Tal postura, por sua vez, ignoraria a dinâmica arriscada e, por vezes, volátil, da atividade jornalística.

 

No rastro das ponderações, duas teses propostas se alinham com a prudência, assemelhando-se aos princípios consagrados pelos Estados Unidos no caso New York Times Co. v. Sullivan (1964). Naquele momento, a Suprema Corte Americana exigiu prova do conhecimento prévio da falsidade da notícia ou negligência na busca pela verdade, doutrina esta conhecida como actual malice:

 

  • Somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção. (Edson Fachin);
  • Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios. (Luís Roberto Barroso).

 

O STF, ao abraçar uma destas perspectivas, poderá prestigiar a atividade jornalística, protegendo-a contra as punições decorrentes de erros involuntários.

 

A punição, nesse contexto, não deve derivar de meros equívocos, mas sim de atos intencionais, impregnados da intenção deliberada de causar prejuízo. Penalizar erros éticos, frutos da apuração diligente, instalaria um manto de silêncio sobre a imprensa, minando seu papel essencial na divulgação de informações cruciais para a sociedade.

 

Afinal, o trabalho jornalístico sofre com a permanente ameaça de processos resultantes de um dos formatos e instrumentos mais importantes para sua existência: as entrevistas. 

 

Imputar uma responsabilidade que não cabe aos veículos pode forçá-los, exempli gratia, a imposição de filtros prévios nas respostas dos entrevistados, ou mesmo à renúncia a entrevistar muitas pessoas, especialmente ao vivo. 

 

Tudo isso motivado pelo temor de potenciais processos judiciais.

 

O prudente equilíbrio almejado pelo STF reside em uma tese que reconheça as características intrínsecas do jornalismo, preservando sua essência no regime democrático. A busca incessante da verdade, mesmo diante de erros pontuais, é a essência da atividade jornalística. A única justificativa para punição reside na má-fé e na negligência grosseira em relação aos fatos.

 

É preciso que o jornalismo seja, sim, exercido com ética e respeito aos princípios fundamentais da profissão, como a verificação dos fatos e a abertura ao contraditório, veículos de imprensa e jornalistas devem buscar contextualizar declarações, ouvir eventuais acusados e corrigir informações, (…).

 

Assim como é preciso que a tese eleita seja não apenas equilibrada, mas, também, sábia o suficiente para preservar os alicerces democráticos, permitindo que a imprensa, com suas virtudes e imperfeições, continue a desempenhar seu papel vital na sociedade brasileira. 

 

Utilizando-me de renomadas figuras históricas, concluo com os seguintes dizeres:

 

Uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim, mas, certamente sem liberdade, a imprensa sempre será ruim [Albert Camus]

 

Afinal

Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero [Pierre-Augustin de Beaumarchais]